29 de dez. de 2009

AGULHADAS E SENTENÇA DE MORTE À NOSSA INÉRCIA!

O caso da criança de dois anos, que teve dezenas de agulhas enfiadas em seu corpo pelo seu padrasto em Ibotirama no oeste baiano, que tem como suspeitas de participação e envolvimento duas mulheres, uma identificada como amante do padrasto e outra, uma senhora que se diz Mãe-de-Santo, chocou  e indignou o país diante da sua brutalidade.
A sequência de assassinatos misteriosos, com requintes de perversidade, em diversos bairros da capital cearense, cuja a investigação policial corre em sigilo e que está ligado, segundo a imprensa local, a rituais de magia negra tendo como possíveis suspeitos membros de terreiros de Umbanda está assustando a coletividade dos cultos afro-brasileiros em Fortaleza.
Para as autoridades religiosas e adeptos dos cultos e religiões afro-brasileiras  uma certeza absoluta, ambos os casos nada tem haver com a doutrina, teologia, rito e liturgia, e as tradições do Candomblé, da Umbanda, do Omoloko, do cultos de nação em geral. Tão pouco é alicerçado ou respaldado pelos ensinamentos difundidos pelo mundo espiritual presente nessas religiões e cultos, bem como ministrados por seus sacerdotes e sacerdotisas.
Assim como todos, esses atos criminosos nos chocam, nos indignam e evidente que somamos a nossa voz ao coro de repúdio da sociedade, cobrando justiça e nos solidarizando as vítimas e seus familares.
É ponto pacífico, que tais atos são perpetrados por indivíduos ou grupos desequilibrados, destituídos de discernimento, razão ou quaisquer valores morais. Obnubilados por sandices e crendices desvirtuadas, somente acreditam no ódio, na vingança e nos seus desejos e sentimentos mais mesquinhos e vilipendiosos. Muitas vezes são seres vazios de tudo, sem rumo, horizonte e sem nenhum resquício de valores básicos da convivência humana.
Poderíamos discorrer longamente sobre os motivos ou exatamente a falta deles, que levam as criaturas humanas se assemelharem as bestas-feras e alcançar com seus atos a mais baixa iniquidade, caindo de cabeça nas sombras, na escuridão e nas trevas da alma.
Também poderia enveredar pelo caminho realista da discriminação e  do preconceito que ainda resiste na sociedade, em pleno terceiro milênio, em relação a tudo o que diz respeito as religiões e cultos afro-brasileiros.
Prefiro, no entanto realizar uma reflexão crítica sobre a permissividade que grassa no seio do movimento dos cultos afro-brasileiros, que se não é a origem desta percepção discriminatória e preconceituosa da sociedade, contribui amplamente para sua existência.
Sempre digo que: “Quem permite o pouco, assiste passivamente o muito”. Essa sensação muitas vezes me vem a tona no dia-a-dia da religião.
A despeito dos religiosos sérios, dos trabalhos dignos e valorosos encetados em muitos templos, terreiros, tendas, choupanas, centros, barracões, roças etc, independente da luta nobre das diversas associações, organizações, instituições e federações pelo bom nome e da dignificação das religiões e cultos afro-brasileiros, da busca pela inserção e reconhecimento da sociedade, fato é que:
Os desmandos da autoridade religiosa ainda é um câncer a ser extirpado;
Os vendilhões do templo, continuam a vender qualquer coisa pelo melhor preço que conseguirem;
Os mercadores da fé traficam falsas esperanças, curas impossíveis, realizações de quimeras, e satisfação de qualquer tipo de desejo, sentimento e vontade;
O culto a personalidade, a egolatria,  o poder desmedido fascinam autoridades e criam um despotismo renitente;
A mediunidade como fim e não como meio que ressalta o fenômeno e respalda o maravilhoso e o sobrenatural;
A falta de disciplina e disciplinadores;
A facilidade como se aplaude, louva, permite, aceita se é condescendente, mesmo em nome da educação, da tolerância e do respeito ao próximo, com o que se sabe ser errado;
A falta de estudo e pesquisa ou a existência deles, não pelo poder do saber, mas pelo conhecimento salutar que alicerça a fé e abre os horizontes da visão espiritual;
A desarticulação fraterna, a falta de união, a visão míope da defesa dos minifúndios, ou mesmo dos latifúndios religiosos.
Por fim e não chegando ao fim de uma lista muito maior que essa, a total desvalorização que os próprios religiosos nutrem sobre as  iniciativas individuais ou coletivas válidas, sejam por pessoas, grupos ou instituições a favor das religiões e cultos afro-brasileiros.
Nos calamos demais, silenciamos mais ainda. Diz o ditado que quem cala consente. Assim consetimos demais, deixamos correr frouxo, fazemos vista grossa, muitas vezes ao que acontece no interior de nossas casas espirituais, logo ao lado, ou mesmo em lugares que somos convidados a visitar.
São pais e mães de “poste”, sacerdotes e sacerdotisas “alienígenas”, que caem de paraquedas e ninguém sabe de onde veio ou surgiu, a “mistureba”, em nome da evolução e da modernidade, com ritos, conceitos e doutrinas exteriores as tradições das religiões e cultos afro-brasileiros, fora a “demonização” impetrada por nós mesmos, na tentativa de gerar uma aura de respeito e medo aos outros , de divulgar a crença absurda que somos detentores de “verdades absolutas”, de um poder mediúnico “forte”, manipuladores de “magias” poderosas e conhecedores de ensinamentos ocultos, místicos e sobrenaturais.
Sim, devemos matar esta inércia que solapa a realidade de nossas religiões e cultos afro-brasileiros e a inaptidão que nos paralisa e impede de conseguirmos reverter esta errônea percepção que a sociedade e a mídia possuem de nós, antes que pela inércia  e incapacidade morramos, transformados definitivamente naquilo em que não somos, não pregamos, não cultuamos e nem defendemos.
Bradamos ao mundo a discriminação e o preconceito e esquecemos de olhar para o próprio umbigo e ver muitas vezes a manifestação a discriminação e o preconceito intra-religiosos.
Exigimos respeito e consideração e deixamos tanta coisa errada acontecer no interior e no entorno do nosso movimento religiosos.
Não podemos culpar os outros de olharem para nossas religiões e cultos e enxergarem em muitos locais que visitam, exatamente aquilo que  eles já ouviram falar de errado, ou as ideias pré-concebidas que adquiriram através, por exemplo de alguns setores mal informados da mídia e do ataque de outros segmentos religiosos.
Às vezes penso que gostamos desta pecha e de vivermos assim como párias religiosos da sociedade e cultura de periferia no seu sentido pejorativo.
Definitivamente, não praticamos rituais satânicos, sacrifícios de seres humanos, rituais de magia negra, enfiamos agulhas em criança ou qualquer coisa assemelhada e parecida.
Agulhadas merecem todos nós, adeptos das religiões e cultos afro-brasileiros para que reajamos e não fiquemos escondidos em nossas conchas, com a cabeça, feito avestruz enfiada na terra, repetindo incansavelmente para nós mesmos, isso não tem nada haver comigo, logo vai passar.
Sentença de morte merece a inércia que congela e paralisa a nossa iniciativa de luta, de união, de espírito de corpo, de fraternidade, liberdade e igualdade que as religiões e cultos afro-brasileiros já merecem a muito tempo.
Pensemos nisso ao apagar das luzes de 2009.

Caio de Omulu




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