Talvez sejam poucas as pessoas que saibam caber a São Gonçalo a comemoração, este ano, da passagem de pelo menos três centenários de fatos relevantes aqui ocorridos no início do século XX. Um deles é o surgimento da Umbanda, tida por seus adeptos com a primeira e única religião verdadeiramente brasileira por reunir em suas práticas elementos da cultura religiosa de índios, africanos e europeus, as três etnias de cuja fusão resulta o Brasil atual.
Tudo começou com Zélio Fernandino de Moraes, um jovem de família tradicional no bairro de Neves e cujo pai, fazendeiro, foi o primeiro a exportar frutos dos laranjais gonçalenses para a Inglaterra no princípio do século passado.
No dia 10 de abril de 1908 o jovem Zélio comemorou a passagem de seu 17º aniversário, posto que nascera em 1891, e tinha como planos ingressar na Marinha de Guerra, iniciando-se nos estudos para prestar exame na Escola Naval. Porém, dias depois foi acometido de uma estranha paralisia, que o deixara preso ao leito. Chamados os médicos mais importantes da época, de São Gonçalo e Niterói, deu-se início a vários tratamentos, que se sucediam sem apresentar melhoras. Nenhum dos médicos conseguia diagnosticar a doença e seu estado de saúde só se agravava.
Eis que, a partir de outubro daquele ano, ele começou a falar palavras sem nexo, teve visões e apresentou quadro de aparente perturbação mental. Outros médicos foram chamados, sem nenhuma solução. No princípio de novembro, o próprio Zélio anunciou a seus pais que no dia seguinte voltaria a andar. Com efeito, assim ocorreu, mas sem que desaparecessem os sinais tidos como de distúrbio da mente.
A família, muito católica, chamou padres, que aconselharam tratamento médico especializado. Um vizinho, então, orientou-a a levá-lo à Federação Espírita do Estado do Rio de Janeiro, que funcionava (e ainda funciona) em Niterói e fora fundada há pouco, pois poderia ser uma obsessão espiritual.
No dia 15 de novembro de 1908, Zélio lá chegou, reuniu-se com o presidente José de Souza e outros membros da Federação Espírita. Imediatamente, incorporou um caboclo e foi recriminado, posto que a organização seguia a doutrina de Alan Kardec, o médico francês que criara uma nova forma de espiritismo, unindo fé e ciência. Zélio protestou e anunciou que, no dia seguinte, seria iniciada uma nova religião.
Com efeito, no dia 16 de novembro de 1908, à noite, em sua residência, na Rua Floriano Peixoto, 30, em Neves, São Gonçalo, sem razão aparente, reunia-se verdadeira multidão para assistir àquele fato. E ali, naquele momento, foi fundada a Tenda de Umbanda Nossa Senhora da Piedade.
Zélio nunca explicou a razão da palavra "umbanda", até mesmo porque ninguém lhe perguntou, embora ele tenha vivido até 1975. Por isso, os historiadores divergem sobre sua procedência, mas a imensa maioria acredita que ela decorra do vocábulo "m'banda", usada pelas tribos Quimbundo, da África, para designar os seus sacerdotes, e que era também uma palavra sagrada dos índios tupis. Portanto, seria "Tenda de Sacerdotes", numa tradução livre.
Sua criação foi seguida, no mesmo ato, de algumas regras básicas e simples, tais como o uso apenas de roupas brancas, ter como adereço somente uma fita da cor do orixá ou do santo do dia comemorado, não receber nenhuma recompensa dos que recorrem à Umbanda, não praticar sacrifício de animais e fazer da caridade a prática permanente segundo o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Em 1918, Zélio criou sete novas tendas (N. S. da Guia, N. S. da Conceição, Santa Bárbara, São Pedro, Oxalá, São Jorge e São Jerônimo), das quais a maioria na cidade do Rio de Janeiro, sendo a última delas em Neves, onde criou uma escola primária para as crianças pobres do bairro, e começou a expandir sua crença por todo o território nacional.
Casado com dona Isabel de Moraes, com ela teve duas filhas, Zélia e Zilméia, às quais passou a direção da tenda original em 1963 e mudou residência, com a esposa, para Boca do Mato, em Cachoeiras de Macacu, RJ, onde faleceu em 03-10-1975.
Zélio, entretanto, não se dedicava apenas à sua crença. Como era norma não receber recompensa pelo bem distribuído, dedicava-se às atividades profissionais normais, assumindo os negócios de seu pai, e fez uma incursão na política, elegendo-se vereador em 18-05-1924 e empossado em 10 de junho seguinte. Foi reeleito para um segundo mandato em 10-04-1927, empossado no dia 30 seguinte e escolhido por seus pares, na mesma data, para secretário do Legislativo gonçalense. Após cumprir o mandato de três anos, afastou-se da política. Quando de seu falecimento, a Câmara Municipal deu seu nome à Rua [vereador] Zélio de Moraes, no bairro de Mangueira.
Contribuição de nosso amigo Gero Maita do Centro Espiritualista de Umbanda Esperança
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