12 de ago. de 2011

CARNE: COMER OU NÃO COMER? O BOM SENSO DA DOUTRINA ESPÍRITA






                                                    Alexandre Fontes da Fonseca
                                   Centro Espírita Irmão Agostinho – Brotas – SP

A questão sobre a alimentação tem sido bastante discutida no movimento espírita. Mensagens como a de Emmanuel (questão 129 da Ref. (1)) e de André Luiz (Cap. 4 da Ref. (2)) desaconselham o uso da alimentação carnívora. Entretanto, isso parece se contrapor com a orientação básica dos Espíritos superiores presentes nas questões 722, 723, 724 e 734 do Livro dos Espíritos (3). Reproduziremos aqui a questão 723:


723. A alimentação animal é, com relação ao homem, contrária à lei da Natureza?

“Dada a vossa constituição física, a carne alimenta a carne, do contrário o homem perece. A lei de conservação lhe prescreve, como um dever, que mantenha suas forças e sua saúde, para cumprir a lei do trabalho. Ele, pois, tem que se alimentar conforme o reclame a sua organização”.

Pretendemos demonstrar aqui que a recomendação de Emmanuel e André Luiz de se evitar a alimentação carnívora possui bases doutrinárias não estando, portanto, em desacordo com o Espiritismo. Para isso, recorremos à Revista Espírita de dezembro de 1863 onde Kardec reproduziu uma mensagem do Espírito Lamennais (4) que esclarece de modo claro todos os ângulos dessa questão:

"Sobre a alimentação do Homem

(Sociedade de Paris, 4 de Julho de 1863. Médium: Sr. A. Didier)

O sacrifício da carne foi severamente condenado pelos grandes filósofos da antiguidade. O Espírito elevado revolta-se à idéia de sangue e, sobretudo, à idéia de que o sangue é agradável à Divindade. E notai bem, que aqui não se trata de sacrifícios humanos, mas unicamente de animais oferecidos em holocausto. Quando o Cristo veio anunciar a Boa-Nova, não ordenou sacrifícios de sangue: ocupou-se unicamente do Espírito. Os grandes sábios da antiguidade igualmente tinham horror a estas espécies de sacrifícios e eles próprios só se alimentavam de frutos e raízes. Na terra os incarnados têm uma missão a cumprir: têm o Espírito que deve ser nutrido pelo Espírito, o corpo com a matéria; mas a natureza da matéria influi - compreende-se facilmente - sobre a espessura do corpo e, em consequência, sobre as manifestações do Espírito. Os temperamentos naturalmente muito fortes para viver como os anacoretas (5) fazem bem, porque o esquecimento da carne leva mais facilmente à meditação e à prece. Mas para viver assim, geralmente seria necessária de uma natureza mais espiritualizada que a vossa, o que é impossível com as condições terrestres. E como, antes de tudo, a natureza jamais age contra o bom senso, é impossível ao homem submeter-se impunemente a essas privações. Pode ser-se bom cristão e bom espírita e comer a seu gosto, desde que seja razoável. É uma questão algo leviana para os nossos estudos, mas não menos útil e proveitosa". (os grifos são nossos).

Essa mensagem explica que a dieta sem o uso da carne é melhor, pois isso “leva mais facilmente à meditação e à prece”.Isso aconteceria, pois, segundo Lamennais, a natureza da matéria influi nas manifestações do Espírito. Podemos comparar a situação com os vícios. Aquele faz uso de uma droga, por exemplo, impregna seu perispírito de vibrações que limitarão suas manifestações no mundo espiritual. Da mesma forma, o uso de uma dieta menos carnívora torna o perispírito menos “espesso” (usando aqui uma palavra que Lamennais usou no texto) o que permite que ele tenha mais facilidade em elevar seu pensamento em prece.

Porém, Lamennais, de modo responsável, deixou claro que a dieta vegetariana dependeria do aprimoramento espiritual da nossa Humanidade terrestre, o que ainda não ocorre. Daí adverte que “a natureza jamais age contra o bom senso, é impossível ao homem submeter-se impunemente a essas privações”. Por isso a questão 723 acima não condena o uso da carne. Sobre privações, a questão 724 do Livro dos Espíritos (3) recomenda:

724. Será meritório abster-se o homem da alimentação animal, ou de outra qualquer, por expiação?
“Sim, se praticar essa privação em benefício dos outros. Aos olhos de Deus, porém, só há mortificação, havendo privação séria e útil. Por isso é que qualificamos de hipócritas os que apenas aparentemente se privam de alguma coisa”.

Dessa forma, a privação da carne só teria mérito se ocorrer em benefício do próximo. As atividades espíritas de passes e as reuniões mediúnicas constituem exemplos em que a abstenção do uso da carne, pelo menos no dia dessas atividades, pode levar a benefícios aos assistidos encarnados ou desencarnados. Mas se o tarefeiro tiver dificuldade com isso, Raul Teixeira (6) assevera que, “É mais compreensível, e me parece mais lógico, que a pessoa coma no almoço o seu bife, se for o caso, ou tome seu cafezinho pela manhã, do que passar todo o dia atormentada pela vontade desses alimentos, sem conseguir retirar da cabeça o seu uso, deixando-se de concentrar-se na tarefa, em razão da ansiedade para chegar em casa, após a reunião, e comer ou beber aquilo de que tem vontade”.

Lamennais ainda disse que "Pode ser-se bom cristão e bom espírita e comer a seu gosto" sem esquecer que isso deve ser feito “desde que seja razoável”, isto é, sem exageros.

Portanto, a recomendação de Emmanuel e André Luiz é válida e está de acordo com o Espiritismo, mas não deve ser considerada uma exigência para a realização de um bom trabalho espírita ou uma boa reunião mediúnica. Lembremos, afinal, que Jesus em Mateus, Cap. 15 e vers. 11 disse que: "Não é o que entra pela boca que contamina o homem; mas o que sai da boca, isso é o que o contamina”. E, para aprimorar o que sai de “nossa boca” e de nossos atos, devemos nos esforçar pela reforma íntima e no estudo doutrinário.

Referências

[1] Emmanuel, psicografia de F. C. Xavier, O Consolador, FEB, 20ª Edição (1999).

[2] André Luiz, psicografia de F. C Xavier, Missionários da Luz, FEB, 26ª Edição (1995).

[3] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora FEB, 76a Edição, (1995).

[4] Lamennais, Revista Espírita, Dezembro, pp. 387—388 (1863).

[5] Anacoreta é uma pessoa que se retira a um local isolado para dedicar-se a meditação e oração.

[6] D. P. Franco e J. R. Teixeira, Diretrizes de Segurança, Editora FRATER, 8ª Edição (2000).

Artigo publicado no jornal O Idealista, da USE – Regional Jaú, Setembro p.9 (2006).

Fonte: http://www.grupos.com.br/blog/grupodeestudosak/permalink/24576.html

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